quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Claudio Versiani > Taffarel e Baggio



Em março de 1994, o diretor de redação do Correio Braziliense, Ricardo Noblat, me convidou para ser o editor de fotografia do jornal. Eu me considerava um fotógrafo de revista, mas o desafio de trabalhar em um jornal diário era interessante por vários motivos. Até então o jornal era muito ligado ao Governo do Distrito Federal e os donos do Correio Braziliense queriam transformá-lo em um veículo respeitável. Outro motivo era o próprio Noblat, jornalista de texto com passagens pela Revista Manchete, Veja, Jornal do Brasil e Istoé, onde trabalhamos juntos. Noblat sempre soube valorizar a imagem, mesmo porque aprendeu cedo que para publicar (bem) seus textos, precisava de boas imagens.
Quando a seleção brasileira de futebol embarcou para os EUA, eu fui também. A minha praia era o Esplanada dos Ministérios, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. O Brasil treinava duas vezes por dia, eu treinava junto. Futebol, eu havia feito no começo da minha carreira em 1978, no Globo, em Belo Horizonte. Fotografia para mim significava trabalhar com flash. Fiquei impressionado como os colegas do Rio e São Paulo manuseavam as câmeras, que naquela época já tinham o recurso do auto-foco incorporado. Eu ainda preferia o foco manual. Tentei aprender com eles, mas desisti no meio do caminho. Estava ficando confuso operando foco manual e foco automático ao mesmo tempo. Voltei para o velho, bom e confiável foco manual. As primeiras digitais Kodak/Nikon e Kodak/Canon já estavam em campo, mas eram pesadas, lentas e geravam um arquivo não muito grande. Eu trabalhava com duas Nikon F4 e básicamente com uma 300mm f:2.8 e uma 500mm f :4. Como disse, cada treino era um aprendizado. Era um pela manhã e outro na parte da tarde. Pela diferença do fuso horário (4 horas), as fotos do treino da tarde só iam para as páginas se algo importante acontecesse. No Correio Braziliense era assim.
Estamos falando de 13 anos atrás... O treino acabava lá pelas 17 h. Ainda tinha que revelar o filme, escanear e transmitir as fotos, já eram 23h no Brasil. A adrenalina corria solta.
Treino é treino e jogo é jogo, disse o mestre Didi. O colete de identificação de fotógrafo credenciado só me permitia ficar de um lado do campo, ou seja, 45 minutos para tentar fazer a foto do jogo e torcer para o Romário fazer o seu golzinho do meu lado. Nem sempre foi assim, claro. Trabalhei em equipe com o Estado de Minas, com o companheiro Alberto Escalda. Fizemos um laboratório móvel e revelávamos nossos últimos filmes no porta-malas de uma van. Inventamos uma gambiarra e secávamos os filmes no sistema de aquecimento do carro. Os outros filmes eram recolhidos durante a partida pela Fuji e revelados gratuitamente. Isso funcionou no começo, mas o Brasil foi avançando e o número de fotógrafos cobrindo a seleção brasileira aumentava a cada partida. O laboratório da Fuji ficou atolado.
Contratei o serviço pago de revelação da Reuters. O esquema era o mesmo, eles iam recolhendo os filmes durante a partida. Isso baixou um pouco o nível da minha ansiedade e ganhamos tempo.
O resto todo mundo sabe, o Brasil chegou na final, graças aos golzinhos e golaços de Romário. Bebeto também comparecia.
17 de julho de 1994. Não deu para dormir na noite anterior, muita adrenalina e muita ansiedade. A partida estava marcada para 12h, chegamos no estádio às 6h30 e já tinha fotógrafo na fila para entrar no centro de imprensa. A adrenalina não parava de subir. Fotógrafos brasileiros e italianos tinham prioridade para entrar no campo, depois os das grandes agências e os norte-americanos e por fim os outros. Fiquei na linha de fundo, entre o gol e a bandeira do escanteio. Os fotógrafos disputavam centímetros, todo mundo fotografava ombro a ombro. 45 minutos pra lá, nada de gol. 45 minutos pra cá e nada de Romário. Prorrogação, e nada mudou. Disputa de pênaltis, o que fazer e para onde ir? O juiz decide que a decisão vai ser do meu lado. Fico quieto e não saio do meu lugar. Não me arrisco a disputar uma nova posição nas laterais do campo com os fotógrafos que vêm do outro lado.
Márcio Santos perde o pênalti, Baresi também. Ai, que agonia, o coração de fotógrafo e de brasileiro saindo pela boca, de verdade. Tudo empatado e lá vem o Baggio. Um chutão para fora e o Brasil é tetra campeão mundial de futebol.
O italiano fica prostrado, não se mexe. Taffarel dá alguns passos para frente, se ajoelha e joga os braços para cima, os dois dedos indicadores apontando para o céu. Só deu tempo de virar a máquina para a posição vertical e fazer 3 fotogramas, acho.

O campo vira uma loucura. Os jogadores reservas e a comissão técnica do Brasil entram em campo e todos se abraçam. A polícia americana isola os brasileiros com uma corda. O capitão Dunga segura a taça e comanda a volta olímpica. Essa foto é fácil de fazer, foco e exposição em cima. Cadê o cara da Reuters que não aparece para recolher meus filmes?
Será que a foto do Taffarel está no foco? Quase dois meses trabalhando todos os dias, de dia e de noite. E agora acabou. A Reuters já está revelando os últimos filmes.
Não há nada mais para se fazer no campo. Vou para o centro de imprensa e corro para conferir o foco do Taffarel, está perfeito. Deve ter sido sorte de principiante em Copa do Mundo.
A foto é um belo retrato do jogo. Um resumo fotográfico que conta a história da final da Copa de 94, com os dois personagens principais e a torcida comemorando no fundo.
Fiquei feliz em ter conseguido fazer a foto. Afinal foi a Copa em que o Brasil colocou a quarta estrela no peito. História pura.
O Correio Braziliense usou a foto do Dunga na capa do jornal e o caderno de esportes deu o Taffarel ocupando toda a capa. A primeira Copa do Mundo, ninguém esquece.


Trabalhei com duas Nikon F4 e usava basicamente 2 lentes, uma 300mm f2.8 auto-foco e 500mm f4 com foco manual.
A foto do Taffarel foi feita com a 300mm e provavelmente com 500 de velocidade e 8 de diafragma. A foto é o negativo cheio, sem cortes.
Fico feliz em estar aqui ao lado de Masao Goto, companheiro dessa jornada e de outras mais.

Claudio Versiani > Jornalista pela Faculdade de Comunicação da Universidade Católica de MG.
Fotógrafo de O Globo (MG), Revista IstoÉ (Belo Horizonte, São Paulo, Brasília) Revista Veja (Brasília) e editor de fotografia do Correio Braziliense (Brasília)
Atualmente é fotógrafo freelance em Nova York, EUA.

Um comentário:

ze disse...

goleiro de joelhos foi o Marcos na Alemanha em '02. Reza enquanto moeda de troca - Marcos.